GIRO DA NOTÍCIA

REPUBLICA É O BAIRRO MAIS VIOLENTO PARA COMUNIDADE LGBT+ EM SÃO PAULO.

#Violência contra LGBT+ são tão parte do bairro quanto bares, boates e festas para o público.





Em uma madrugada de sábado, o publicitário Guilherme Proença, de 23 anos, e outros quatro amigos deixaram uma festa, na Praça da República, para ir a um night club ali próximo. A rua, que costuma ficar lotada, naquela noite tinha pouca gente. Havia um casal a 50 metros em um carro estacionado ouvindo música. “A gente estava bebendo, dançando. Aí eu atravessei a rua para fazer xixi numa parede. E o cara veio por trás e meteu um murro na minha mandíbula.” Ao soco, Proençacaiu de calças arreadas e com a mandíbula deslocada. A amiga foi socorrê-lo – e quase foi agredida. “Chamou a gente de viado (sic) . Falou que a gente (os) estava agredindo (por estar ali) , que a mulher dele era uma mãe de família.” E voltou para o lugar dele.

Uma travesti, que fazia ponto naquela rua, aproximou-se. “A gente nem chamou a polícia. Até deveria, porque estava em flagrante. Estava morrendo de dor, queria ir para o hospital e o cara estava ameaçando a gente. Quem nos prestou socorro foram as travestis da rua.”

Casos de violência contra a população LGBTI são tão parte do bairro quanto bares, boates e festas para o público. O advogado Felipe Daier, de 26 anos, trabalhou durante dez meses em um endereço pouco conhecido pela maioria dos paulistanos na Rua Major Sertório, na República, centro de São Paulo: o Centro de Referência e Defesa da Diversidade, que passará a ser um Centro de Cidadania LGBTI. O espaço, da prefeitura de São Paulo, tem por objetivo oferecer apoio à população LGBTI da região — que conta com o maior número de notificações desse tipo de violência: 18 registros. A Penha, na Zona Leste, com o segundo maior número de registros, tem 11. O dado é do Mapa da Desigualdade 2019, realizado pela Rede Nossa São Paulo, que pela primeira vez notificou a violência contra pessoas LGBTIs a partir de dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

No espaço, Daier era o responsável por dar acolhimento jurídico a vítimas de violência, encaminhando-as à Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) e, depois, à Defensoria Pública. Ele afirma que o número de notificações é menor que o de ocorrências. “Tem uma cifra oculta gravíssima”, disse Daier a ÉPOCA, em entrevista por telefone. “Não está contabilizada a violência praticada pela polícia e (a violência) não notificada pela polícia. No caso de pessoas trans, a morte fica ocultada. Se ela não tem nome social no RG vai ser enterrada como homem. Isso acaba sendo ocultado. A gente tem uma dificuldade de ter um número real de ocorrências.”

Nos dez meses em que atuou no Centro, o advogado afirmou acolher de maneira constante vítimas de violência. A maioria parte são homens gays ou mulheres transexuais e travestis. “As lésbicas e homens trans têm dificuldade de buscar o serviço.” Os casos de violência, ele afirma, iam da verbal à física. Dentro e fora de casa. “Tinha muito caso de expulsão de casa, agressão por casa de família”, afirma. A maioria dos acolhidos era pobre e negra ou parda. “Existe um critério de raça e classe muito forte. Serviços públicos são acionados pela população LGBTI mais pobre e racializada.”

No caso das transexuais e travestis, a violência vinha de diferentes áreas: do trabalho sexual, do ambiente escolar, de centro de acolhida (como albergues municipais), além da violência de rua. “Pessoas que jogavam coisas, agrediam. Partia de policiais também, (dos profissionais das) unidades básicas de saúde.”

Daier hoje trabalha em Santo Amaro, na Zona Sul da capital paulista, no Centro de Cidadania LGBTI Edson Néris – o nome do local homenageia o adestrador de cães Edson Néris da Silva, assassinado na Praça da República por um grupo de skinheads. Motivo: ele estava de mãos dadas com seu namorado.

Para o advogado, não é possível afirmar se a República é o bairro mais violento ou concentra mais notificações do que outros bairros, uma vez que também conta com mais aparelhos públicos voltados à população. “Seria necessário aumentar o número de serviços LGBTI e descentralizá-lo. Quanto mais a gente cria serviços, mais números aparecem.”

O professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e militante LGBT Renan Quinalha também afirma a dificuldade de precisar o motivo de haver mais notificações de violência na região. “É bastante difícil fazer uma leitura mais aprofundada dos dados, porque são em números absolutos”, disse. “O fato de ter maior concentração (de LGBTIs) pode ser um fator para o maior número de casos. Ao mesmo tempo, também há mais aparelhos públicos na região que acabam fazendo a notificação e registro desses casos.”

Para Quinalha, um dos autores de História do movimento LGBT no Brasil (Alameda), a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo, conforme decisão do STF em maio, é uma “medida fundamental”, mas “muito limitada”. “O sistema penal é insuficiente para combater a violência. Acho que isso pode ajudar a notificar mais, a qualificar as políticas públicas. Se não vai reduzir imediatamente, pelo menos serve para dar uma dimensão da violência”, afirmou. “Em termos de política pública, é preciso pensar não só numa perspectiva regionalizada. Tem algumas medidas de caráter mais universal, que passam pela educação, pela cultura, que são mais profundas, envolvem uma disputa de consciência da importância da diversidade, dos Direitos Humanos. Seria a medida fundamental.

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