GIRO DA NOTÍCIA

O QUE MUDA COM A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA PARA USO MEDICINAL NO BRASIL?

#Indústrias farmacêuticas e universidades não poderão importar a maconha em planta, apenas remédios já prontos ou subprodutos da Cannabis, como óleos, extratos e sais.





O acesso a remédios em farmácias, ainda que com custo caro, é o possível cenário desenhado por especialistas após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar, na manhã na última terça-feira (3), a compra e a venda de remédios à base de maconha no Brasil. A mudança entra em vigor daqui a três meses.

Na prática, farmácias poderão importar remédios estrangeiros e vendê-los com a bula traduzida para o português, desde que haja receita médica. Como a Anvisa proibiu o cultivo da planta para fins medicinais — o plantio para pessoas comuns não estava em questão —, as indústrias farmacêuticas que desejarem produzir remédios no país precisarão importar os subprodutos da planta, como óleos, sais e extratos. A importação da planta ou de partes dela segue proibida.

Há estudos apontando benefício para enfermidades como epilepsia, esquizofrenia, Parkinson, Alzheimer, autismo, dores crônicas, ansiedade, depressão e efeitos da quimioterapia.

Ao justificar o sinal verde para comercializar produtos à base da maconha para a saúde, a Anvisa diz que buscou "uma forma para garantir o acesso, pela via da assistência farmacêutica, assegurando um mínimo de garantia para os usuários dos produtos".

— Isso vai gerar um boom no mercado de produtos à base de Cannabis, com um controle de qualidade, mas sem controle de segurança e eficácia, porque não serão feitos ensaios clínicos — afirma Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A possibilidade de expansão da indústria nacional e consequente baixa no preço de remédios, no entanto, é desacreditada pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

— Se o governo regulamentasse o plantio, daria incentivo à industria nacional. Como não fez, precisaremos importar produtos de grandes indústrias farmacêuticas internacionais. O acesso será mais fácil na questão burocrática, mas o preço seguirá alto, inviável para a população brasileira. É como importar um derivado de feijão para fazermos uma sopa de feijão. Não faz sentido. A burocracia será facilitada, mas o preço seguirá caro — analisa.

Hoje, apenas um remédio à base de maconha é comercializado no Brasil: o Mevatyl. Liberado para venda no ano passado, essa droga passou por ensaios clínicos que comprovam os bons efeitos para quem tem esclerose múltipla. No início, era vendido por, em média, R$ 2,5 mil ao mês. Hoje, pode ser encontrado por R$ 1,5 mil.

Fora dessa exceção, quem desejasse se tratar com um remédio à base de Cannabis precisava pedir autorização da Anvisa para importar de outro país. De 2016 a 2018, a Anvisa autorizou a importação de 78 mil medicações do tipo, algumas custando até R$ 7 mil, segundo Filev, da Unifesp. O preço sempre foi pago pelo paciente. Para esses pacientes, a burocracia será menor, já que a importação será feita pelas farmácias e a compra será feita no balcão.

Há, ainda, famílias que conseguem autorização da Justiça para cultivar em casa a planta e, assim, produzir óleos e extratos — via de regra, conseguem habeas corpus com a justificativa de que o uso desse tipo de remédio muda a vida do paciente. Para esses casos, diz Ribeiro, da SBPC, o cenário segue o mesmo, uma vez que o plantio foi proibido.

Para pacientes com casos graves de epilepsia, remédios à base de Cannabis melhoram a qualidade de vida. Em uma crise de epilepsia, os neurônios ficam agitados e entram em atividade intensa. Os remédios feitos com insumos da maconha fazem os neurônios se acalmarem e funcionarem corretamente.

Em junho deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) divulgaram nota conjunta na qual se posicionaram contra a liberação do cultivo para fins medicinais. As entidades afirmaram, à época, que a Anvisa "desconsidera evidências científicas e não garante efetividade e segurança para os pacientes". O presidente do CFM, Carlos Vital, salientou que há "vastas evidências" sobre a possibilidade de dependência. CFM e ABP não puderam se manifestar até a conclusão desta reportagem.

À época, a Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC) criticou o documento e afirmou que as críticas eram baseadas "no abuso crônico da Cannabis" — portanto, não poderiam ser aplicadas ao uso de remédios feitos com base na maconha.

Como era até agora?: Por lei, a venda e a compra de remédios importados à base de Cannabis era proibida, com a exceção do Mevatyl. A exceção era para pacientes que importassem com autorização da Anvisa ou para famílias que obtivessem autorização judicial.

Como vai ficar?: Se, hoje, pacientes precisavam pedir autorização da Anvisa para importar os remédios (lidando, por conta própria, com a burocracia), agora as farmácias importarão e venderão o produto para os pacientes. A compra só será permitida com receita médica.


Indústrias farmacêuticas e universidades não poderão importar a maconha em planta, apenas remédios já prontos ou subprodutos da Cannabis, como óleos, extratos e sais.
Esses insumos poderão ser usados para pesquisas científicas e para a produção de remédios nacionais à base de maconha. A expectativa é de que o custo baixe, mas não tanto quanto seria possível se o plantio fosse liberado. É como em uma linha de produção: os laboratórios produzirão os medicamentos, mas uma "peça" (os subprodutos da maconha) virá de outros países.

Quais são as doenças que podem ser tratadas com esse tipo de remédio?: Os melhores resultados encontrados até hoje são para doenças neurológicas, mas problemas psiquiátricos e mesmo dores físicas já foram atenuados com uso de remédios à base de Cannabis. Dentre os exemplos, estão casos graves de epilepsia, Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia, esclerose múltipla, autismo, ansiedade, insônia, depressão, dores crônicas, além de náuseas e vômitos oriundos de quimioterapia.

O que muda com a chegada da maconha no Brasil?

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