GIRO DA NOTÍCIA

ANVISA INICIA CONSULTA PÚBLICA SOBRE LEGALIZAÇÃO DA MACONHA PARA USO MEDICINAL.

#Produção será feita por uma empresa regulamentada e em galpões sem identificação. Depois, a planta será destinada a um laboratório farmacêutico que será responsável pela produção dos extratos e medicamentos.





Era sempre durante as noites que podiam chegar as piores crises. Mãe e pai se revezavam entre sonos nada tranquilos para conferir se o menino continuava respirando. Em alguns momentos, as crises de epilepsia duravam minutos. Em outros, somavam-se horas. Às vezes, bastava um feixe de luz como gatilho e tudo recomeçava.

Durante quase 20 anos, essa foi a realidade de Thadeu Maschietto, 25 anos, e de sua família. Ele foi diagnosticado com a síndrome de Dravet, uma doença rara que acomete 1 em cada 40 mil nascimentos no Brasil. Entre os diagnósticos, que prevalecem em meninos, cerca de 15% não sobrevivem até a adolescência.

A síndrome se manifesta em uma forma gravíssima de epilepsia que se inicia ainda na infância durante o primeiro ano de vida e compromete todo o desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Resistente aos tratamentos medicamentosos tradicionais, a vida de Thadeu se transformou quando ele passou a fazer uso do extrato da Cannabis medicinal, o canabidiol, nos últimos 5 anos.

“Só de pensar sobre o Thadeu, eu me arrepio. Ele só chegou na Terra para mostrar quem ele é, como ele ama, como ele se expressa, depois desse medicamento”, compartilha Marcel Maschietto, advogado e primo do jovem.

“Antes, era uma mistura de convulsões, muita agressividade e quase não existia interação. Se ele se trata há 5 anos com o canabidiol, faz 5 anos que eu o conheço”, diz. “Ele veio para nos ensinar que as coisas podem ser mais simples do que a gente imagina.”

Thadeu é um dos 6.789 pacientes que já receberam aval da Justiça brasileira para importar medicamentos a base da Cannabis sativa. Desde 2015, a Anvisa(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autoriza esses pedidos excepcionais sob a condição de um laudo médico. No entanto, além da limitação de todo o trâmite jurídico, o custo para importar a substância é altíssimo.

Uma mudança em discussão pode ajudar famílias como a de Thadeu: Nesta sexta-feira (21), a Agência deve colocar em consulta pública a regulamentação do cultivo e da produção da Cannabis medicinal no País.

Dividida em duas propostas, a consulta estará disponível por 60 dias e pode definir o futuro de pacientes que dependem do canabidiol para sobreviver.

O que está em discussão na consulta pública da Anvisa: Caso seja aprovado no País, o plantio da Cannabis deverá ser feito em locais fechados, com acesso controlado por biometria e com portas de segurança.

A produção será feita por uma empresa regulamentada e em galpões sem identificação. Depois, a planta será destinada a um laboratório farmacêutico que será responsável pela produção dos extratos e medicamentos.

A planta in natura não poderá ser cultivada por pessoas físicas, somente por instituições de pesquisa e fabricantes de insumos farmacêuticos. Também não será permitido o uso recreativo.

As medidas da Anvisa visam discutir a segurança e o controle para permitir o cultivo da maconha para fins medicinais e científicos e é entendida como um ponta-pé para que se amplie o acesso à maconha medicinal.

“Eu preciso desse remédio e o Thadeu mais ainda. Desde que ele passou a usar o canabidiol, as crises melhoraram em 90%. Eu não tenho mais medo de sair de casa com o meu filho”, conta Mônica Maschietto, mãe do paciente.

Contudo, o marco regulatório, caso aprovado, deve privilegiar as farmacêuticas em detrimento de associações de pacientes, que já fazem a produção de medicamentos caseiros e ilegais.

“Na melhor das hipóteses, vai demorar de 2 a 5 anos para que o medicamento chegue até as farmácias. E a demanda dos pacientes é uma demanda real e urgente”, explica o médico Ricardo Ferreira, presidente presidente da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis).

“Por isso, até que essa regulamentação aconteça de fato, é de extrema importância que o papel das associações de pacientes que fazem o cultivo coletivo da Cannabis seja reconhecido.”

Como funciona o acesso à maconha medicinal no Brasil: O plantio de qualquer tipo de Cannabis é proibido no Brasil. Porém, desde 2006, a lei 11.343 prevê a possibilidade de que a União autorize o cultivo “para fins medicinais e científicos em local e prazo predeterminados e mediante fiscalização”.

Atualmente, apenas um remédio tem a produção autorizada no País. O Mevatyl é usado em tratamentos da esclerose múltipla e uma embalagem custa cerca de R$ 2,5 mil.

Para quem precisa de outros tipos de medicamento, a via mais comum é importar os produtos. Para isso, foi criado o Programa de Uso Compassivo, que nada mais é do que uma autorização que o paciente deve solicitar à Agência Sanitária.

O médico que trata um paciente com uma doença grave, incapacitante, debilitante e que afeta a qualidade de vida, como, por exemplo, a dor crônica ou a epilepsia, pode entrar com o pedido de permissão de importação.

Mas a autorização só é liberada quando a importação for individual e em caráter excepcional - ou seja, primeiro é preciso comprovar que o paciente não respondeu a nenhum dos tratamentos disponíveis no mercado brasileiro.

“Esse médico já ofereceu diversos tratamentos e alternativas ao paciente que estão disponíveis, mas nada funcionou. Então ele passa para um tratamento alternativo e acompanha esse paciente com o uso compassivo”, explica Ricardo Ferreira, que também é especialista em dor crônica.

O médico pesquisa há mais de 10 anos o uso do canabidiol em tratamentos terapêuticos. Ele acrescenta que o uso compassivo não é exigido somente para o canabidiol, mas para qualquer medicamento que ainda não é registrado na Anvisa.

“O requerimento é uma medida razoável por parte da Agência, já que, na realidade, 90% dos pacientes melhoram com os tratamentos tradicionais. O uso da Cannabis vai entrar para esses 10% ou menos que não respondem aos tratamentos ou são muito impactados com os efeitos colaterais dos medicamentos já disponíveis”, explica.

Com o laudo médico em mãos, o paciente deve informar à Anvisa em qual tipo de tratamento o medicamento será utilizado, além de especificar as quantidades que serão necessárias para a importação. Feito o pedido, a Anvisa tem cerca de 40 dias para informar se autoriza ou não a entrada do produto.

Após a autorização, começa uma outra batalha: pagar pelo custoso medicamento. Já existem empresas privadas no Brasil que fazem a compra do produto em países produtores. Uma delas é a HempMeds, que atende cerca de 3.500 pacientes brasileiros. Segundo Carolina Heinz, vice-presidente da companhia, o medicamento mais barato importado por eles custa US$ 79 (cerca de R$ 305) e o mais caro US$ 429 (cerca de R$ 1.660).

“Cada seringa chega a durar um mês, a depender do tratamento. A gente tem consciência de que é uma medicação muito cara para o brasileiro. Por isso que esperamos que a produção possa ser realizada no Brasil. Com isso, o custo dos produtos diminui”, explicou ao HuffPost Brasil.

E para quem não tem condições de bancar o tratamento? Em alguns casos, é possível recorrer à justiça. Para isso, é preciso convencer o juiz que o medicamento é realmente necessário para o seu tratamento.

“Já tive conhecimento de processos em que a ordem judicial demorou mais de 60 dias para ser liberada. E a gente está falando de pacientes com convulsão. As famílias precisam do medicamento com urgência”, explica o advogado Marcel Maschietto.

Desde que tomou maior conhecimento da evolução e melhora do primo, o advogado paulista também passou a acompanhar os processos de famílias que buscam ajuda do Ministério Público para importar o canabidiol.

“Aumentou o número de pedidos e o Estado passou a gastar mais com isso. A Constituição Federal garante o acesso universal à saúde, mas nem sempre isso acontece. Começamos a observar arbitrariedades do Judiciário na hora de decidir quem vai ter acesso ou não à importação”, diz.

“Por exemplo, pacientes de Minas Gerais não conseguiam a jurisprudência, já em São Paulo o acesso era mais fácil. Isso ainda não é uniforme e, muitas vezes, é por uma mera desinformação do juiz que entende o canabidiol como maconha”, explica.

Anvisa inicia consulta pública sobre a Maconha

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