MENDIGOS DE SÃO PAULO FICAM DESAMPARADOS EM MEIO A PANDEMIA DA COVID NA CIDADE MAIS INFECTADA PELA DOENÇA NO BRASIL.
#Censo mais recente da Prefeitura de São Paulo, realizado em 2019, são mais de 24 mil pessoas em situação de rua e somente metade desse número está acolhida, na maior cidade do país e epicentro brasileiro da covid-19.
As ruas da cidade de São Paulo, mesmo quando tomadas pelos carros, não escondem seus habitantes das calçadas, viadutos e qualquer outro espaço que sirva de abrigo. Nestes dias de isolamento, o cenário mudou para os que vivem nelas e trouxe uma nova ameaça invisível: o coronavírus.
Segundo o censo mais recente da Prefeitura de São Paulo, realizado em 2019, são mais de 24 mil pessoas em situação de rua e somente metade desse número está acolhida, na maior cidade do país e epicentro brasileiro da covid-19.
"Eles vivem tantos riscos que esse é mais um. E esse risco eles ouvem falar, percebem que a cidade mudou, mas eles não enxergam o vírus. Ninguém enxerga", afirmou o padre Júlio Lancellotti, que há mais de três décadas se dedica a cuidar da população que vive nas ruas.
"Mas para eles existem riscos maiores, que eles sentem na vida: a fome, o frio, o abandono, o desprezo, a violência. Então chegou mais uma ameaça na vida deles", acrescentou o padre, enquanto participava da distribuição de alimento no pátio de sua paróquia na zona leste da cidade.
"Onde eles vão lavar as mãos?", questiona o padre Lancellotti, referindo-se à principal medida recomendada para evitar a disseminação do coronavírus. O coordenador da Pastoral do Povo de Rua lançou um apelo a autoridades locais para distribuição de álcool gel e, no local onde ele e auxiliares entregam alimentos, todos os que aguardam na fila higienizam as mãos.
Amenizar os impactos da doença aos sem-teto passou a ser visto, especialmente desde o início da quarentena em São Paulo em 24 de março, como uma medida de urgência, pois além do imenso risco de propagação do vírus, essa parcela da população começou a viver maior escassez de acesso a comida e outros tipos de ajuda.
Acolhido em um abrigo e buscando apoio de entidades e grupos de ajuda a quem vive na rua, o vendedor de balas Luiz Renato Ribeiro Júnior, de 25 anos, afirma precisar do "amor das pessoas" para se sustentar, já que suas atividades foram limitadas desde o estabelecimento do isolamento.
Ele disse prestar atenção ao que falam sobre o vírus e admitiu ter medo de ser contaminado, mas acrescentou que mesmo com o isolamento social aplicado no Estado, não pode deixar de buscar uma renda para sobreviver.
"Não há nada que eu possa fazer, eu tenho que enfrentar o vírus... Se eu ficar num lugar eu não tenho uma renda, então eu tenho que ir para cima... Eu tenho que ir para a guerra e tentar vender meu produto", afirmou.
Higiene e exames: No fronte da higiene, a Prefeitura de São Paulo disse ter ampliado ações durante a pandemia, afirmando que sete estações foram instaladas na região central, em áreas como as praças da Sé e da República, para oferecer duchas e sanitários à população de rua.
Além disso, a prefeitura afirmou que criou seis novos espaços de acolhimento em toda a cidade, e garante que o distanciamento social é respeitado nesses locais. Um dos centros, na zona sul, é destinado especificamente a moradores de rua diagnosticados com o coronavírus, segundo a prefeitura, que não detalhou o processo de testagem ou a quantidade de moradores de rua que passaram pelo exame.
A organização internacional Médicos Sem Fronteiras, porém, especificou seus recém-iniciados trabalhos com sem-teto em São Paulo: até o início da semana, de 278 pessoas atendidas pela ONG, 37 tinham sintomas de covid-19. Com quadros mais graves, três delas foram encaminhadas para hospitais.
"Estamos trabalhando para oferecer assistência a essas populações, já que a pandemia tende a acentuar a marginalização e exclusão à qual elas já estavam submetidas", afirmou a coordenadora do projeto, Ana Leticia Nery, em comunicado.
Evitar aglomerações: A falta de alimentos para quem vive nas ruas não resulta apenas do fechamento de restaurantes e outros estabelecimentos determinado na cidade devido às regras de isolamento. Muitas entidades não-governamentais, que oferecem auxílio diuturnamente à população de rua, tiveram que suspender suas atividades para evitar aglomerações.
Alguns grupos ainda seguem operando, como os Anjos da Noite e o Serviço Franciscano de Solidariedade, que estabeleceu uma tenda para atendimento de 1 mil pessoas no Largo São Francisco, onde muitas vezes as aglomerações em busca de comida não são evitadas -- longas filas se tornaram comuns na região.
Outras entidades, porém, não tiveram o mesmo caminho. O Grupo da Sopa, da zona leste da cidade, precisou interromper seus serviços desde 18 de março, uma vez que grande parte dos voluntários está no grupo de risco do coronavírus e as entregas reúnem aglomerações.
"Ainda não temos previsão de retorno. Decidimos voltar somente depois que for liberada a aglomeração de pessoas pelo governo do Estado", disse Norival Nogueira, um dos coordenadores do grupo, que entregava 250 refeições toda quinta-feira em vários pontos da cidade.
Enquanto não libera aglomerações, o governo estadual decidiu no final do mês passado ampliar os serviços do restaurante popular Bom Prato por 60 dias, e espera servir cerca de 110 mil refeições por dia nesse período. Anteriormente, eram cerca de 90 mil.
Com preços que variam entre 50 centavos e 1 real, o programa passou a servir, além de café da manhã e almoço, também o jantar, enquanto o funcionamento foi ampliado para fins de semana e feriado. Entre as razões citadas pelo governo está justamente a quarentena de organizações sociais.
"O investimento total é de 18 milhões de reais, para atender pessoas que mais precisam, em situação de rua, desempregadas, sem renda ou com uma renda mínima", disse o governador João Doria (PSDB) ao anunciar as medidas.
O Estado de São Paulo, o mais afetado pelo coronavírus no país, está em quarentena pelo menos até 22 de abril. De acordo com dados do Ministério da Saúde, são 5.682 casos e 371 mortes registradas.
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