GIRO DA NOTÍCIA

NOVA CAMPANHA DE PREVENÇÃO DA HIV/AIDS NÃO CITA HOMOSSEXUAIS COMO GRUPO VULNERÁVEL.

#Governo federal diz que 73% das transmissões acontecem entre homens héteros.



Apesar do foco em homens jovens, a nova campanha de prevenção do HIV divulgada nesta sexta-feira (22) pelo Ministério da Saúde deixa de citar o público gay, um dos grupos considerados mais vulneráveis à exposição pelo vírus.

Até então, esse grupo costumava ser abordado em campanhas anteriores, seja em mensagens, personagens ou imagens com uso de cores em referência à bandeira LGBT no meio da festa de Carnaval.

A festa, aliás, quase não aparece nos primeiros materiais divulgados pela pasta. Segundo o ministério, a escolha foi por usar peças mais descoladas do ambiente da folia e que abordassem os homens de forma geral de 15 a 39 anos.

O governo Jair Bolsonaro (PSL) justifica a escolha a partir de dados que mostram que 73% das novas infecções pelo HIV ocorrem entre homens. Dentro desse grupo, 75% são nessa faixa etária.

Dados do último Boletim de HIV/Aids, no entanto, apontam que 53% dos novos casos de infecção por HIV em homens ocorreram entre homossexuais e 9,4% em bissexuais. Os números, porém, não foram citados pelo ministério em apresentação da campanha nesta sexta em Salvador, a qual foi focada apenas em dados de gênero e faixas etárias.

A única menção a gays foi feita pelo ministro Luiz Henrique Mandetta, e em discurso de forma breve. "Não importa a orientação sexual, mas o comportamento de risco que pode fazer do nosso maior Carnaval uma memória triste", afirmou.

A falta de referência ao grupo na nova campanha gerou incômodo em entidades de luta contra a aids e representantes de grupos LGBT.

"Na saúde, temos que trabalhar com dados epidemiológicos, vendo onde a epidemia está mais forte. E ainda está infelizmente entre gays jovens. Não ter uma campanha direcionada é complicado. Temos que alertar a população em geral, mas citar a população mais atingida. Esse é o princípio da saúde no Brasil", afirma Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+.

Para Salvador Correa, coordenador de treinamento e capacitação da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), a escolha do slogan também abre margem para dúvidas sobre a eficácia da estratégia. "Temos que refletir em que medida esse slogan 'Pare, pense e use' faz a pessoa usar de fato o preservativo. Soa uma campanha um pouco distante de sexo e da sexualidade, que é de fato a forma como as pessoas de infectam. Parece que querem moralizar a sexualidade, e isso é um ponto negativo", afirma.

Correa lembra ainda que, desde a década de 1990, as campanhas contra o HIV abordam a "diversidade brasileira e sexual". Ele questiona também a declaração do ministro de que "não importa a orientação sexual, mas o comportamento de risco".

"Isso demonstra desconhecimento da trajetória da epidemia. O Brasil é um país com epidemia concentrada em grupos específicos, diferente de outros em que é generalizada. A resposta à epidemia passa pela valorização dos direitos humanos das pessoas mais afetadas".

Além da falta de referências ao público gay, a apresentação da nova campanha à imprensa também deixou de fazer menções à estratégia conhecida como "prevenção combinada", a qual envolve outros métodos de prevenção ao HIV, como a Prep (profilaxia pré-exposição, volta a grupos mais vulneráveis ao HIV) e a PEP (profilaxia pós-exposição, para casos em que pode ter havido contato com o vírus após relação desprotegida, por exemplo).

Preservativos femininos, também estimulados em campanhas anteriores, ainda que em menor grau em relação aos masculinos, também deixaram de aparecer na nova estratégia.

Campanha: Com foco no slogan "Pare, pense e use camisinha", a campanha deste ano terá como embaixador o cantor Gabriel Diniz, intérprete do hit "Jenifer". Ao todo, serão distribuídos 129 milhões de preservativos no país e 9,9 milhões de gel lubrificante.

Em discurso, o ministro classificou a decisão por atrelar a campanha ao hit como "pertinente" ao retratar "uma geração que tem novos mecanismos de aproximação" –em referência a aplicativos como o Tinder. "Tenho certeza que a Jenifer pode até fazer umas paradas, mas pede sempre para usar a camisinha", afirmou.

Ainda segundo o ministério, a escolha pela música que brinca com o nome Jenifer ocorreu para indicar tanto "ele" ou "ela". "Não importa se seu nome é Jenifer, João, Jéssica ou Jorge, use camisinha", diz um dos slogans da campanha.

Embora a pasta tenha feito um evento apenas para lançar a nova estratégia, nem todos os materiais dela própria foram divulgados. Ao contrário dos anos anteriores, vídeos e áudios das peças não foram disponibilizados no encontro. Segundo o governo, o material será lançado apenas no dia 27 deste mês por meio das redes sociais. A pasta, porém, confirma a falta de menção direta a gays, assim como consta nos primeiros materiais.

Em entrevista antes da posse, Mandetta já havia defendido que o governo aumente as campanhas de prevenção ao HIV, "mas sem ofender as famílias". A declaração gerou críticas de entidades.

Questionado nesta sexta por jornalistas se a nova campanha visa evitar ofensas à família, o ministro concordou. Mas minimizou as críticas. "Quando falamos em respeitar as famílias, é respeitar todo mundo, à sociedade como um todo. Família que eu falo é a família brasileira", disse.

Para Mandetta, há uma "questão cultural" que faz com que homens se previnam menos do que as mulheres -as quais teriam força em estimular a prevenção "dentro do lar".

"O homem com essa cultura de ser a fortaleza, de ser o machão, de 'não fico doente', 'não vou ao médico'. E a mulher sempre mais inteligente, cuidadosa, cuidando da prole, da família. Muitas vezes é a mulher que leva o homem na unidade de saúde. Sabemos da força da mulher quando o quesito saúde está na pauta e nas atitudes do lar", disse.

Nova campanha de prevenção não cita homossexuais 

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